26 de set. de 2013

A nossa biografia

Tenho um livro da Martha Medeiros chamado Coisas da Vida e gosto sempre de reler as crônicas. Dependendo do momento em que estou vivendo, diferentes crônicas passam a ter mais significado para mim. A de hoje chama-se A nossa biografia:

     "Gostei da entrevista que a atriz Jane Fonda deu para divulgar sua biografia recém-lançada - Minha vida até aqui. Aliás, excelente título. Geralmente biografias pressupõem um início, um meio e um fim. Jane Fonda deixou em aberto o fim: aos 67 anos, ainda pretende colecionar aventuras e emoções para quem sabe publicar uma Parte Dois.
     Não li o livro, mas na entrevista ela diz que seu casamento com o deputado Tom Hayden, a certa altura, deixou de dar certo, e como ela não quis admitir o fracasso, optou então por se divorciar de seus sentimentos.
    Quantas vezes fazemos exatamente isso: em vez de assumir que estamos cansados, frustados, derrubados por uma desilusão, optamos por fingir que está tudo na mais perfeita ordem e, para não passar pelo estresse de romper um casamento/pedir demissão/trocar de cidade/ou o que for, a gente simplifica: se divorcia do que está sentindo - ou seja, de nós mesmos. E botamos um farsante pra existir no nosso lugar.
     Romper - o que quer que seja - não é fácil. E tampouco é um ato solitário. Ao se divorciar de sua mulher ou marido, você inevitavelmente envolverá os sentimentos dos seus filhos e de seus familiares, para citar apenas os mais chegados. Sua decisão vai interferir na rotina dos outros. Fará com que eles sofram junto com você. Se deseja largar o emprego, do mesmo modo: não é só você que estará se arriscando ao trocar estabilidade por incerteza. As pessoas que dependem de você também estarão arcando com as consequências dessa sua escolha. Assim é: todos os laços que desejamos cortar repercutem nas pessoas que amamos, o que torna tudo mais difícil. Se você não é exatamente uma pessoa raçuda, acaba se acomodando e optando pelo mais fácil: rompe com seus próprios sentimentos. Se anula. Faz de conta que sua infelicidade não existe. Abandona suas dores no quarto dos fundos e abre um sorriso pro mundo como se nada de errado estivesse acontecendo. Não dá pra negar que é uma atitude nobre, se a intenção é manter a paz à sua volta, mas escuta: você não conta? Os outros são assim tão fracos que não podem segurar uma onda pesada com você, uma onde que, segundo Lulu Santos e Nélson Motta, passa e sempre passará?
     Quando fazemos uma escolha, qualquer escolha, estamos dizendo sim para um lado e dizendo não para o outro. Então, algum sofrimento sempre vai haver. Não adianta se autoproclamar o herói da resistência contra o fracasso. Todo mundo fracassa em alguma coisa. Melhor enfrentar isso, como lá pelas tantas fez a eterna Barbarella, que trocou Tom Hayden por Ted Turner.
     Isso, claro, no caso de não querermos encerrar nossa biografia antes da hora."

4 comentários:

  1. Texto sensacional. Passar por mudanças requer muita coisa e as vezes a preguiça ou a "dor de cabeça" que tal mudança promete em nossas vidas é maior do que o real desejo de mudar e fazer algo para melhorar as coisas.

    Vejo tanta gente insatisfeita com trabalho, com o relacionamento e com a vida em geral, que só reclama e não faz nada pra mudar... gente, impossivel que as coisas mudem se a gente não decide que é hora de fazer algo para melhorar.

    Desejo todos os dias que não só eu, mas todas as pessoas, enfrentem seus medos pra ser feliz. A nossa vida é tão rara, tão curta, que vale a pena correr atras do que nos faz feliz, ainda que isso implique em mudanças maiores!

    Abraço!

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    1. Muitas vezes, quando percebemos que algo não mais nos satisfaz, o medo de recomeçar aparece e muitas vezes paralisa. Ele é o responsável por ter tanta gente infeliz, seja no trabalho, com o relacionamento, etc.
      Também desejo que esse medo seja enfrentado! É muito compensador.

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  2. MUITO BOM!!
    Acho que vou ler esse livro =))

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